segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ressaca emocional

Tem gente que nem se importa com a rotina que leva, ou se é obrigado a fazer coisas que contrariam seus sentimentos e anseios. Outros, aqueles que fazem o que gostam e trabalham não só com a mente e o corpo, mas também com a alma, experimentam – às vezes – a sensação de uma ave aprisionada na gaiola. Ela está ali, linda, viva, cantando por um pouco de água e ração. Faz o que gosta, certamente, e vive uma vida resignada. Isso porque não tem a exata noção de que poderia alçar vôos mais longos, muito além de um poleiro ao outro.

Com as pessoas acontece quase isso. A diferença é que, muitas vezes, elas sentem dentro de si que sabem e podem ‘voar’, mas, por um pouco de água e ração, curvam-se diante do outro. Ah, o outro... Aquele que, tendo poder, se sente uma águia voraz. Mas que, em termos de qualidade de ser, não passa de um pardal comum. Travestido de águia, se impõe sobre os demais, frisando quão pequenos, imperfeitos e insignificantes eles são.

O bom, na vida da gente, é que há sempre um “start”, um motivo repentino que nos faz mudar tudo, que nos encoraja a abrir as asas e voar. Esse impulso pode ser alimentado pela tomada de consciência, pela paixão ou pela dor. Ainda são poucos os que viram a mesa apenas porque se percebem incompreendidos e subvalorizados. Outros, quando se apaixonam, se enchem de coragem para mostrar ao mundo quantas coisas boas são capazes de fazer. A grande maioria, entretanto, reage à dor – o que me faz crer que jamais devemos maldizer a dor que nos atinge, porque a gente nunca sabe se ela nos fará mudar para melhor e nos apresentará pessoas mais dignas da nossa companhia.

Se eu usei a metáfora das aves, uma amiga usou a dos vinhos. Desanimada, ela disse: “Sabe quando você paga caro por uma caixa de vinho, imaginando que vai degustar de um buquê inigualável e, de repente, percebe que foi enganado e que tudo o que sobrou foram diversas garrafas de um vinho ordinário? Então, você pensa no que fazer com o lote. Dar para um amigo, nem pensar – já que ele não merece. Dar para um inimigo, pior ainda, porque, além do investimento que você fez, ele vai desconfiar de suas intenções. Se quebrar as garrafas, quem recolher poderá se machucar. Enfim, diante desse dilema, você permanece estático com as garrafas à sua frente, em plena ressaca emocional. Ressaca não é abandono. É pior. É você não saber o que fazer com a situação que não deixará nem saudades”.

As palavras da minha amiga calaram em mim. Afinal de contas, elas podem se aplicar a diversos momentos da nossa vida: o fim de uma amizade, o rompimento de um trato ou nossas insatisfações profissionais, por exemplo. Mas também percebo que falta bem pouquinho para tudo isso voar pelos ares e servir de impulso para algo muito maior e melhor. E como é gostoso saber que está ao nosso alcance começar a mudar. E que, para fazer a coisa acontecer, é preciso deixar fluir, soltar as amarras sem medo, esquecer a portinha da gaiola aberta, displicentemente.

Chegando ao fim deste nosso momento, deixo para vocês uma frase extraída do filme Sob o sol da Toscana: “Eles construíram os trilhos do trem nos Alpes, entre Viena e Veneza, antes mesmo de ter um trem que pudesse fazer a viagem. Sabiam que um dia o trem chegaria. Qualquer curva arbitrária no meio do caminho estaria em outro lugar, diferente (...)”.


Os trilhos estão prontos, meu trem chegou e, assim que viajar por este caminho até o ponto final, estarei certa de que é apenas o (re)começo. É o ponto de partida, de onde alçarei voos mais longos, muito além de um poleiro ao outro.